domingo, 10 de novembro de 2013

"A Colonização de Planetas é Meta Atingível" - Entrevista da Revista Veja a Carl Sagan

Entrevista de Carl Sagan Para a Revista VEJA – “A Colonização de Planetas é Meta Atingível”


“A Colonização de Planetas é Meta Atingível“

Entrevista a Carl Sagan

Entrevista Publicada na Edição Especial da Revista VEJA: A Vida Fora da Terra – 27 de Março de 1996

*Entrevista Original, sem qualquer alteração, com português na norma brasileira

Recuperando-se de um doloroso transplante de medula, Carl Sagan não tem recebido muita gente. Para conversar com VEJA, o astrônomo optou por várias sessões ao telefone. Depois, fez uma exigência: gostaria de ler a entrevista antes de publicada, mesmo que fosse em português. Embora não conheça a língua, disse ter uma pessoa de confiança que o auxiliaria. Sua preocupação era com a exatidão científica. “A astronomia é um campo muito propício ao sensacionalismo”, explicou. Eis a entrevista:

VEJA – Existe vida inteligente no planeta Terra?

SAGAN – Um hipotético viajante espacial que examinasse nosso planeta, a partir de uma órbita não muito distante, logo descobriria que existe uma civilização tecnológica na Terra. As luzes das cidades, as emissões inequívocas de ondas de rádio e televisão, o padrão regular das plantações são sinais claros de vida racional. Ao aprofundar suas observações, ele notaria também que alguma coisa fundamentalmente errada está ocorrendo na superfície do planeta. Os organismos inteligentes dominantes na Terra estão destruindo suas principais fontes de vida. A camada de ozônio, as florestas tropicais e o solo fértil estão sob constante ataque. Provavelmente, a essa altura, o visitante espacial faria uma revisão da sua análise inicial e concluiria que não há vida inteligente na Terra.


VEJA – Essa não é uma visão muito determinista do futuro da humanidade…

SAGAN – Nós somos um perigo em potencial para nós mesmos. Acredito que a emissão de combustíveis fósseis e de outros gases que promovem o efeito estufa já esteja produzindo efeitos climáticos complexos no planeta Terra. Vênus, com seus 470 graus Celsius de calor provocados por uma atmosfera de vapor d’água e dióxido de carbono, é uma clara indicação do que o efeito estufa pode produzir num planeta.

VEJA – Que ameaça tão poderosa paira sobre a Terra?

SAGAN – Não é a Terra que está ameaçada. A Terra está segura. Nós, os humanos, é que estamos numa situação cada vez mais frágil. É provável que a esta altura de nosso desenvolvimento tecnológico estejamos criando uma civilização incompatível com a vida no resto do planeta. Ou conseguimos viajar pelo espaço e colonizar outros planetas, ou corremos sério risco de entrar para o rol de espécie extinta. A sobrevivência pela colonização de outros planetas é uma hipótese bastante racional e uma meta atingível.

VEJA – O senhor acha que será preciso outra Guerra Fria para criar o clima de competição propício a grandes aventuras pelo espaço?

SAGAN – Não. Parece que mesmo sem outra Guerra Fria, e a despeito das limitações orçamentárias, os Estados Unidos, a Rússia, a Agência Espacial Européia e o Japão estão organizando vigorosos programas de exploração do sistema solar, com ênfase em Marte. Esse planeta oferece condições fascinantes para exploração e futura colonização pela humanidade. Duas tendências em particular são bastante promissoras. Uma é a construção de espaçonaves pequenas mas altamente eficientes. A outra é a constatação de que Marte tem recursos naturais que podem ser usados para a produção de componentes do combustível da nave destinada a trazer a tripulação de volta à Terra. Além disso, enquanto estiverem na superfície do planeta os astronautas poderão obter água e oxigênio de fontes locais. Isso subtrai enormemente o peso e, claro, o tamanho da nave, diminuindo também a complexidade de uma missão tripulada a Marte.

VEJA – O sistema solar, que parecia tão sem segredos para os cientistas, tem sido recentemente fonte de grandes surpresas, como o caso da descoberta de água numa lua de Júpiter e a revelação de que Plutão talvez nem seja um planeta, mas um asteróide. Que outras revelações se podem esperar da nossa vizinhança?

SAGAN – Agora que conseguimos enxergar melhor com a ajuda do telescópio orbital Hubble, e à medida que conseguirmos viajar para outros mundos, é certo que encontraremos coisas jamais imaginadas. A descoberta recente de que em Titã, uma das luas de Saturno, chove matéria orgânica do céu é uma dessas surpresas. Titã abriga uma fábrica natural de moléculas orgânicas complexas. Quem poderia imaginar que numa grande lua de Saturno estaria escondido o que pode vir a ser a chave do mistério da existência de vida na Terra? Marte também não cessa de nos surpreender. Há uma possibilidade de que Marte há 4 bilhões de anos, numa época em que a Terra ainda nem estava se formando, tenha sido um planeta bem diferente da esfera árida e gelada que conhecemos atualmente. Naquela época, Marte pode ter sido bastante aconchegante, com rios caudalosos e grandes oceanos. Pode ter havido ali algumas formas de vida. O que teria acontecido com esses organismos marcianos? A hipótese mais intrigante é que alguns deles podem ter sobrevivido, adaptando-se em algum nicho subterrâneo do planeta. Coloquemos as descobertas feitas em Titã e em Marte na perspectiva de que existem centenas de bilhões de outros planetas e teremos algumas pistas do que a exploração espacial ainda pode encontrar.

VEJA – Qual o significado das descobertas recentes de planetas em formação ao redor de estrelas não muito distantes do nosso Sol?

SAGAN – A descoberta de planetas semelhantes a Júpiter orbitando estrelas parecidas com o nosso Sol também, de certa forma, não surpreendeu a comunidade científica. Pelo que se conhece da origem de nosso próprio sistema planetário, outros sistemas deveriam ser abundantes. A surpresa foi que os planetas descobertos giram em órbitas muito mais próximas a seus sóis do que se podia prever. Parece, portanto, que existem muitas variações de sistemas solares na Via Láctea. Isso significa que nosso sistema solar não é o padrão. Para as próximas décadas, podemos esperar a descoberta de centenas de sistemas planetários ao redor de estrelas próximas.

VEJA – Existe vida inteligente fora da Terra?

SAGAN – Essa é uma hipótese extraordinária. Hipóteses extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Essas evidências ainda não existem. Temos recebido alguns sinais de rádio enigmáticos vindos do espaço que parecem satisfazer todos os critérios científicos para o que se estabeleceu ser uma transmissão extraterrestre inteligente. São sinais modulados, fortes e de banda curta. Ou seja, não poderiam ter sido gerados por nenhuma fonte natural conhecida de ondas de rádio cósmicas. Infelizmente esses eventos nunca se repetiram. Eles duram cinco minutos e somem para sempre. Em ciência, se um fenômeno não se repete ele não pode ser confirmado. E, se não há confirmação, é provável que o que se encontrou não tenha valor. As próximas décadas, à medida que as tecnologias forem ficando mais eficientes e baratas, prometem ser muito excitantes na busca de vida inteligente extraterrestre.

VEJA – Por que muitas pessoas se agarram com tanto entusiasmo à idéia de que os discos voadores estão por aí?

SAGAN – Não existe uma única evidência física irrefutável disso. Tudo o que eu pediria a uma pessoa que diz ter visto um alienígena é uma evidência física, não uma história. Muitas pessoas podem não estar mentindo e, mesmo assim, seu relato não ser verdadeiro. Há muitas hipóteses que levam alguém a afirmar que viu ou teve encontros com alienígenas. Uma delas é a constatação de que uma visita extraterrestre mostraria que nós, humanos, temos uma posição de importância central no universo. Outra razão é poder atacar com segurança os governos acusando-os de ostensivamente “encobrir os dados” sobre objetos voadores não identificados. É interessante notar que a maioria desses relatos está de alguma forma relacionada com alucinações ocorridas ao adormecer ou logo depois de acordar.

VEJA – Qual sua opinião sobre o filme, famoso entre os aficionados da ufologia, mostrando um alienígena sendo autopsiado nos anos 40?

SAGAN – Só não digo que é uma fraude grotesca porque não pude investigar in loco todos os detalhes do caso. Mas que tem cor de fraude, cheiro de fraude e aparência de fraude não há dúvida. Há um fenômeno interessante na imprensa. As notícias sobre eventos tratados como misteriosos são invariavelmente dadas com muito mais destaque do que sua negação. Não importa que a desmontagem da fraude tenha sido completa e convincente: no final a fraude em si terá tido mais destaque. Outro caso interessante é o dos círculos concêntricos que costumavam aparecer nos trigais do interior da Inglaterra. A notícia de que se tratava de eventos misteriosos foi dada com enorme destaque. Quando os dois velhinhos responsáveis pela fraude apareceram, mostraram seus instrumentos e demonstraram como faziam os círculos há dezoito anos na calada da noite, a notícia foi dada quase a contragosto.

VEJA – O senhor acha que a ciência está perdendo a guerra contra as crendices e o obscurantismo?

SAGAN – Um dos problemas é que a ciência apresenta o mundo como ele é, não como se gostaria que ele fosse. Quase sempre a descoberta científica contraria a sabedoria convencional das pessoas. A ciência também tende a ser matemática, o que, na mente da maioria das pessoas, se traduz por incompreensível. A ciência também foi responsável pela invenção de armas de destruição em massa e de tecnologias que inadvertidamente alteram o clima global. A ciência contradiz diretamente a interpretação literal da Bíblia – em que não há lugar para metáforas ou alegorias. É uma pena que a negação do método racional gere atitudes que ignoram a magnífica revelação que a ciência


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