sábado, 25 de janeiro de 2014

A Teoria Radical de um Neurocientista Sobre Como Redes se Tornam Conscientes

Circuitos neurais
[via: Wired & Sociedade Racionalista]

É uma pergunta que deixa os filósofos perplexos há séculos e os cientistas há décadas: de onde vem a consciência? Sabemos que existe, pelo menos em nós mesmos. Mas como ela emerge das reações eletroquímicas do nosso cérebro é um mistério não resolvido.
O Neurocientista Christof Koch, diretor científico do Instituto Allen de Ciências Cerebrais, acha que pode ter a resposta. De acordo com Koch, a consciência emerge em qualquer sistema de processamento de informação complexo o suficiente. Todos os animais, de humanos até minhocas, são conscientes; até a internet poderia ser. É simplesmente a forma como o universo funciona.

“A carga elétrica de um elétron não emerge de propriedades mais elementares. Ele simplesmente tem uma carga” diz Koch. “Da mesma forma, argumento que vivemos em um universo de espaço, tempo, massa, energia e consciência emergindo de sistemas complexos.”


O que Koch propõe é uma versão cientificamente refinada da antiga doutrina filosófica chamada de pampsiquismo – e, vindo de outra pessoa, pode soar mais como espiritualidade do que ciência. Mas Koch dedicou as últimas três décadas ao estudo das bases neurológicas da consciência. Seu trabalho no Instituto Allen o coloca agora na vanguarda da iniciativa BRAIN, o novo e maciço esforço para entender como cérebros funcionam, que começará em 2014.

As revelações de Koch foram detalhadas em dúzias de artigos científicos e em uma série de livros, incluindo Consciência: Confissões de um Reducionista Romântico, de 2012. A Wired conversou com Koch a respeito dessa velha pergunta.

Wired: Como você passou a acreditar no pampsiquismo?

Christof Koch: Eu cresci católico, e também cresci com um cachorro. E o que me incomodava era a ideia de que, enquanto humanos tinham almas e podiam ir para o paraíso, cães não tinham almas. Intuitivamente eu sentia que ou tanto humanos quanto cães tinham almas, ou nenhum dos dois tinha. Mais tarde encontrei o Budismo, com sua ênfase na natureza universal da mente consciente. Você encontra essa ideia na filosofia também, defendida por Platão, Spinoza e Schopenhauer, que a psique — consciência — está em todo lugar. Eu vejo essa como a explicação mais satisfatória para o universo por três razões: biológica, metafísica e computacional.

Wired: O que você quer dizer?

Koch: Minha consciência é um fato inegável. Só podemos inferir fatos sobre o universo, como a física, indiretamente, mas a única coisa que eu tenho absoluta certeza é de que estou consciente. Eu posso ficar confuso sobre o meu estado de consciência, mas não fico confuso sobre tê-la. Além do mais, olhando para a biologia, todo animal tem uma fisiologia completa, não só humanos. E no nível das microestruturas do material cerebral, não há nada de excepcional em relação ao cérebro humano.

Só especialistas podem dizer, através de um microscópio, se um pedaço de material cerebral é de um rato, macaco ou humano — e animais têm comportamentos muito complicados. Até abelhas reconhecem rostos individuais, comunicam a qualidade e localização de fontes de alimento através de movimentos dançantes e navegam por labirintos complexos com a ajuda de sinais armazenados em sua memória de curto-prazo. Se você introduzir um odor em uma colmeia, elas voltam aonde encontraram aquele odor ateriormente. Isso é memória associativa. Qual é a explicação mais simples para isso? Que a consciência se estende a todas essas criaturas, que ela é uma propriedade iminente de pedaços de matéria altamente organizados, como cérebros.

Wired: Isso é tudo meio vago. Como a consciência emerge? Como você pode quantificá-la?

Koch: Tem uma teoria, chamada Teoria da Informação Integrada, desenvolvida por Giulio Tononi na Universidade de Wisconsin, que atribui a qualquer dado cérebro, ou qualquer sistema complexo, um número — denotado pelo símbolo grego Φ — que diz o quão integrado um sistema é, o quão mais do que apenas a união de suas partes ele é. O Φ dá uma medida de consciência nos termos da teoria da informação. Qualquer sistema com informação integrada diferente de zero tem consciência. Toda integração tem alguma sensação.

Não é que qualquer sistema físico tenha consciência. Um buraco negro, um monte de areia, um monte de neurônios isolados em um prato, eles não estão integrados. Eles não têm consciência. Mas sistemas complexos têm. E quanta consciência eles têm depende de quantas conexões eles têm e como elas estão conectadas.

Wired: Ecossistemas são interconectados. Uma floresta poderia ser consciente?

Koch: No caso do cérebro, é o sistema como um todo que é consciente, não as células nervosas individualmente. Para qualquer ecossistema, é uma questão de quão rica é a integração interna dos componentes individuais, como árvores em uma floresta, comparada à interação casual entre eles.

O filósofo John Searle, in sua revisão da Consciência, perguntou, “Por que os Estados Unidos não são conscientes?” Afinal, há 300 milhões de americanos, interagindo de maneiras muito complexas. Por que a consciência não se estende a todos os Estados Unidos? É porque a teoria da informação integrada postula que a consciência é um máximo local. Eu e você, por exemplo: nós estamos interagindo agora, mas muito menos do que as células no meu cérebro interagem entre si. Enquanto eu e você somos conscientes como indivíduos, não há um “Übermind” consciente que nos une em uma única entidade. Você e eu não somos coletivamente conscientes. É a mesma coisa com ecossistemas. Em cada caso, é uma questão do grau e extensão das interações casuais entre todas as componentes que compõe o sistema.

Wired: A internet é integrada. Ela poderia ser consciente?

Koch: É difícil dizer no momento. Mas considere o seguinte. A internet contém por volta de 10 bilhões de computadores, com cada um deles tendo por sua vez alguns bilhões de transistores em sua CPU. Então a internet tem pelo menos 10^19 transistores, comparado com aproximadamente 1000 trilhões (ou um quadrilhão) sinapses no cérebro humano. Isso é umas 10 mil vezes mais transistores do que sinapses. Mas a internet é mais complexa do que o cérebro humano? Depende do grau de integração da internet.

 Por exemplo, nossos cérebros estão conectados o tempo todo. Na internet, os computadores estão fazendo comutação de pacotes. Eles não estão conectados permanentemente, e sim trocando rapidamente entre um e outro. Mas de acordo com a minha versão do pampsiquismo, existe uma sensação de ser a internet — e se a internet caísse, a sensação não existiria mais. E isso não é, a princípio, diferente da forma como eu me sinto quando estou dormindo um sono profundo e sem sonhos.
Wired: Deixando a internet de lado, o que a consciência humana compartilha com a de outros animais? Algumas propriedades são iguais?

Koch: Depende do sensorium [o escopo da nossa percepção sensorial -ed.] e das interconexões. Para um camundongo, é fácil dizer. Eles têm um cortex parecido com o nosso, mas um cortex pré-frontal não tão bem desenvolvido. Então eles provavelmente não tem auto-consciência, ou entendem símbolos como nós, mas vêem e ouvem coisas de forma parecida.

Em cada caso, você tem que olhar para os mecanismos neurais por trás do aparato sensorial, e para como eles são implementados. Não tem resposta universal.

Wired: A falta de auto-consciência quer dizer que um animal  não tem senso de si mesmo?

Koch: Muitos animais não passam no teste de reconhecimento no espelho, incluindo cachorros. Mas eu suspeito que cachorros tenham uma forma de auto-reconhecimento olfativa. Você percebe que cachorros cheiram muito o cocô de outros cachorros, mas não cheiram muito o próprio. Então eles provavelmente têm algum senso do próprio cheiro, uma forma primitiva de auto-consciência. Agora, eu não tenho evidências de que um cachorro senta e reflete sobre si mesmo; Não acho que cachorros tenham esse nível de complexidade. Mas acho que cachorros podem ver, sentir, ouvir sons e ficar felizes e excitados, assim como crianças e alguns adultos.

Auto-consciência é algo que humanos têm excessivamente, e que outros animais têm muito menos, embora símios a tenham em algum nível. Nós temos um córtex pré-frontal super desenvolvido. Nós podemos ponderar.

Wired: Como uma criatura pode ficar feliz sem auto-consciência?

Koch: Quando estou escalando uma montanha ou um muro, minha voz interior fica totalmente silenciosa. Em contraste, estou hiper-consciente do mundo à minha volta. Eu não me preocupo muito com uma briga com a minha mulher, ou com uma declaração de imposto de renda. Eu não estou em condição de me perder no meu eu interior. Eu cairia. É a mesma coisa quando eu estou viajando a alta velocidade em uma bicicleta. Não é que eu não tenha consciência de mim mesmo naquela situação, mas ela está certamente reduzida. E eu posso estar muito feliz.

Wired: Ouvi dizer que você não mata insetos se puder evitar.

Koch: Isso é verdade. Eles são colegas de estrada, cercados pela eternidade pelos dois lados.

Wired: Como você reconcilia o que você acredita sobre consciência animal e a forma como eles são usados em experimentos?

Koch: Tem duas coisas a serem colocadas em perspectiva. Em primeiro lugar, tem muito mais animais sendo comidos no McDonald’s todo dia. O número de animais usados em pesquisas é irrisório se comparado ao número usado para carne. E precisamos de pesquisa básica sobre o cérebro para entender seus mecanismos. Meu pai morreu de Parkinson. Uma das minhas filhas morreu de síndrome da morte súbita infantil. Para prevenir doenças cerebrais, precisamos entender o cérebro — e isso, acredito, pode ser a única verdadeira justificativa para a pesquisa em animais. Isso, a longo-prazo, leva à redução de sofrimento para todos nós. Mas no curto-prazo, você tem que fazer de um jeito que minimize a dor e desconforto, com a consciência de que esses animais são criaturas conscientes.

Wired: Voltando à teoria, sua versão do pampsiquismo é realmente científica e não metafísica? Como pode ser testada?

Koch: A princípio, de todo tipo de jeito. Uma implicação é que você pode construir dois sistemas, cada um com a mesma entrada e saída — mas um, por causa de sua estrutura interna, tem informação integrada. Um sistema seria consciente, o outro não. Não é o comportamento de entrada-saída que torna um sistema consciente, mas sim o cabeamento interno.

A teoria também diz que você pode ter sistemas simples que são conscientes, e sistemas complexos que não são. O cerebelo não deveria dar origem a consciência por causa da simplicidade de suas conexões. Teoricamente você poderia computar isso, e ver se esse é o caso, embora não possamos fazer isso no momento. Tem milhões de detalhes que ainda não sabemos. O imageamento do cérebro humano é muito grosseiro. Não te leva a nível celular.

A pergunta mais relevante, para mim como cientista, é como eu posso falsificar a teoria atualmente. Isso é mais difícil. O grupo do Tononi construiu um aparelho para perturbar o cérebro e avaliar até que grau pacientes com danos cerebrais sérios — pense em Terri Schiavo — estão realmente conscientes, ou se eles realmente sentem dor e aflição mas são incapazes de comunicar a seus entes queridos. E pode ser possível que outras teorias da consciência se encaixem nesses fatos.

Wired: Ainda não consigo espantar o sentimento de que consciência emergindo de informação integrada é — arbitrário, de alguma forma. Como uma afirmativa de fé.

Koch: Se você pensar na explicação para qualuer coisa, quão longe ela vai? Somos confrontados com isso em física. Pegue a mecânica quântica, que é a teoria que fornece a melhor descrição que temos do universo em escalas microscópicas. A mecânica quântica nos permite projetar aparelhos de ressonância magnética e outras máquinas e instrumentos úteis. Mas por que a mecânica quântica deveria valer no nosso universo? Parece arbitrário! Podemos imaginar um universo onde a constante de Planck tem um valor diferente? No final das contas, tem um ponto a partir do qual não dá mais para regredir. Vivemos em um mundo onde, por razões que não entendemos, a mecânica quântica simplesmente é a explicação dominante.

Com a consciência, é fundamentalmente a mesma coisa. Vivemos em um universo onde pedaços organizados de matéria dão origem a consciência. E com isso, podemos finalmente derivar todo tipo de coisas interessantes: a resposta para quando um feto ou bebê se torna consciente, se um paciente de danos cerebrais está consciente, patologias da consciência como esquizofrenia ou consciência em animais. E a maioria das pessoas vai dizer que é uma boa explicação.

Se eu posso prever o universo, prever coisas que vejo a minha volta, e manipulá-los com minha explicação, é isso que significa explicar. Mesma coisa com a consciência. Por que vivemos nesse universo é uma boa pergunta, mas não vejo como pode ser respondida no momento.

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